November 5, 2019

Quando fui para Londres

Quando eu era pita, há (quase) 10 anos atrás, fui estudar coisas fotográficas para a cidade que me roubou o coração, Londres.

Eu... menina da aldeia que jurava a pés juntos, nunca sair do meu penico. Fui, mudou a minha vida, cresci tanto.

Vivi sozinha, trabalhei muito para pagar as minhas contas, passei cheques carecas sem o saber, passei tantas dificuldades que nunca pensei viver aos 21 anos de vida... Enrijeceu-me, tornei-me adulta ...

Passei a ser Nanny, de crianças queridas e de outras insuportáveis, era meia Mãe deles.

Ganhei amizades novas (poucas) para a vida.

Chorei tanto mas tanto, que desbloqueei ligeiramente o meu mecanismo de prender o choro... Fiz asneiras...

Soube ser inteiramente eu, Carmo, como sempre quis ser.

Conheci a minha Mathilde, hoje grande Veterinária, fui ao mesmo tempo que a minha Maria, hoje grande médica, eu era a louca da artísta no meio de pessoas inteligentes!!

Partilhei um mini quarto, onde a Francesa lá queria enfiar o Francês a toda a hora - fugi dali depressa.

Vivi com a Helena, que tinha uns quantos mais anos há minha frente, inglesa fria, com quem fiz crescer um caminho tão bonito de amizade, apesar de tantos anos de diferença entre nós.

Ela casou quase aos quarenta eu casei pelos vintes, ela teve um filho, eu também.

Passei a andar de transportes públicos, coisa nunca antes realizada no meu penico de "ouro", e fiquei fã daquela logística e organização fabulosa de transportes públicos. Sim, tornei-me naquela pessoa insuportável que dizia - "em Londres é que é...."

A Nena foi-me visitar, o primo Xico também...

Fiz passeios turísticos a toda a hora, visitei um bar todo em gelo.

Nevou e a cidade parou, pude não ir trabalhar nesse dia e dei tanto valor às folgas, tanto!

Acho que apanhei a segunda ou mesmo primeira bebedeira da vida, how funny, nunca fui de beber. Andei por sítios escuros sem saber, cheia de medo de ser violada, sei lá porque fui ali parar, numa cidade assim as pessoas perdem-se com alguma facilidade. Devorei musicais, desejando sempre um dia, pisar um palco assim, esses sonhos ficaram-se pelo caminho.

Passei a falar inglês com um sotaque tão posh que até irritava, achavam estranho eu ser Portuguesa ( já lá vai o sotaque, ok!!??) Achavam que era Espanhola ou Francesa - Francesa??????

Aprendi que há tantas pessoas na rua que se estão todas a cagar para ti, podes andar nu ou de pijama na rua, because, no one really cares about you... at all.

Isto tem de tão estranho e assustador, como de muito libertador. Podes ser inteiramente tu, é uma cidade onde tanto acontece, que não há muito tempo de se olhar nos olhos. De cumprimentos e conversas na rua tão "tugas".

Não há o nosso "bom dia menina!", boa tarde... piropos, ou simplesmente contar a vida quase toda ao balcão do café na esquina.

Há diferenças sociais grandes, há gente muito, muito rica, há outros tantos na rua.

Isso "fascinou-me" tanto que um dos meus projectos no curso de fotografia, foi sobre a pobreza na rua, os mendigos, fotografias "lindas" que guardo até hoje, ainda tenho muitas, eram sobretudo, claro... retratos.

E eles deixavam-se quase sempre fotografá-los, imaginem! Pousavam para mim, foi uma experiência surreal.

Quando eu era pita, aprendi a enfrentar muitos medos, muito sozinha, mas enfrentei-os.

Ia à Missa em Inglês e lá fui aprendendo a rezar em Inglês, tão aprendi que já pensava a Missa em Inglês.

Descobri um fenómeno na altura com 10 mil andares chamado: PRIMARK. oh my God. Não havia cá, bem longe...

Quando eu era pita, também me apaixonei, claro... Mas ia sobretudo com um propósito de "detox" de namoros. Tinha que aprender a encontrar-me comigo mesma, conhecer-me e aceitar-me, talvez também a perdoar-me.

Deu certo, apesar de complicado enfrentar-me.

Quando era pita, já tinha máquinas fotográficas, amadoras e podres, mas sobretudo... Já tirava carradas de selfies ao espelho, como ainda tiro - sempre fui pirosa, sempre gostei de espelhos e selfies.

Quando conheci a minha Mathilde, ui.. Foi só a fome com a vontade de comer, ninguém nos parava.

Há 10 atrás descobri esta Carmo, e hoje, re-descobri-me nestas fotografias deliciosas que vos deixo.

Tinha uma franja, menos 10kg, menos estrias, menos olheiras, era jovem, não casada e sem filhos, com uma liberdade que me foi dada sem fim, mas com uma enorme responsabilidade.

"Com grande liberdade, também vem uma grande responsabilidade..."

Ainda era ingénua, era coração mole, era um misto de mau-feitio muito dócil com os outros, deixava-me enganar e maltratar. Alegra-me pensar que nada do que realmente era meu se perdeu, apenas vou afinando e limando arestas.

Hoje já não permito, tanto, que me tratem mal - Ainda a limar.

Era sobretudo, alguém à procura de ser uma pessoa boa, simples e completa, amada.

Ia aprender a ser tudo o que sou hoje, tinha muito medo disso, porque isso, me fez sofrer muito.

Mas tudo o que sou, é uma graça enorme de Deus. Há quem não saiba lidar, como eu não soube, mas tem sido tão gratificante percorrer até aqui e mudar, calibrar, errar, aprender, e assentar.

E a aprender também, que quem não sabe lidar, fica pelo caminho, isso não tem mal.

Edificar.

Escalar sem medos.

"O medo não tem lugar aqui."

E hoje deu-me para estes desabafos, porque todos os dias aprendo tanto mais, mesmo aos 30 anos de vida. E que assim sejam para os próximos 30, porque acredito que a nossa vida é uma jornada comprida, ou não, até ao lugar aonde pertencemos e temos realmente de chegar.

E voltando 10 anos atrás na vida... Ela tão cedo me mostrou o que eu queria ser, mas eu neguei-me a isto, até ter coragem de construir a "Mu".

Hoje, todas as peças de puzzle se juntaram e está tudo em harmonia: Um blogue onde posso escrever o que amo de paixão, um lugar onde posso ser eu, livre de criar e produzir o que mais gosto, um livro infantil realizado e publicado e uma pequenina carreira fotográfica em curso, com estrutura e firmeza da solidez e robustez que tudo isto até aqui me permitiu fazer.

Não menos importante, pelo contrário, uma família que é o meu bem mais precioso.

Obrigada.

Um beijinho a todas as almas poéticas e que divagam tanto na vida como eu.

Um beijinho especial a quem me lê com tanto coração.

Obrigada,

MU